22/08/2008

Fuga

Não queria sentir isso, ansiedade que me faz ficar acordado, ardendo em febre, morrendo cada dia um pouco, lentamente, como deve ser aproveitada toda dor que nos fere. Não é fácil ter vinte e poucos e toda a responsabilidade de uma vida pela frente. Ainda não se é adulto o suficiente para enfrentar tudo (pelo menos eu não sou) nem jovem o bastante para não assumir nenhuma responsabilidade. É a obrigação que mata, de ter sucesso, ter a vida que todos esperam que eu tenha, e não quero ser como todos vocês, por isso o suor nessa noite fria, onde apenas a lua testemunha minha angústia. Já me disseram: the movement you need is on your shoulder. Será mesmo?

Para fugir desse mundo recorri a antiga arma, que sempre me salva e me tira dessa lógica onde a ausência de tempo dá o tom dos dias.

O mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino. O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira.

Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes.

Então, o que escolher? O peso ou a leveza?


Milan Kundera - A insustentável leveza do ser

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