Acordou e permaneceu deitado na cama por alguns minutos. Não abrira os olhos totalmente. Sem se levantar, esticou o braço até não poder mais e ligou o rádio que ficava na mesa ao lado da cama. Deixou o volume baixo, o suficiente para não ouvir a música tocar. A cortina do quarto bloqueava qualquer tentativa do sol fazer festa por aquelas bandas. O material de plástico era soberano:
-Bendito seja aquele que viu um pedaço de plástico e pensou numa cortina.
Quando chegou naquela região a cortina de plástico forte que o protegia do sol já estava lá. Era como se fosse parte do ambiente desde sempre, e talvez fosse. Tinha também um lustre de papel vermelho, um desses de moda oriental, que deixava todo o ambiente num tom quase vinho, contrariando as expectativas. Não fosse pelo defeito em um dos lados do papel tudo seria homogêneo. Tudo mesmo. Qualquer um que lá fosse poderia observar a sombra branca, que parecia zombar do estatuto das sombras, refletida na parede, soberana em seu silêncio.
Recebera a cortina por herança. Nem sequer precisou esforçar-se para pendurá-la na parede, ou melhor, nos trilhos da cortina, se é que aquela estrutura metálica com alguns frisos responde por esta alcunha. De qualquer forma era lá que pendurávamos o pedaço de pano (ou plástico) batizado de cortina na parede, ou no teto, como queira. Não sabia muito de cortinas, talvez nada.
Gostava de receber heranças, apesar de nunca ter recebido uma. Nunca até o dia que foi premiado com as cortinas de plástico e o lustre (podemos chamar assim?) de papel vermelho. A herança era sua e continuaria sendo ainda que precisasse abandonar seu latifúndio após o dia trinta, quando venceria mais um aluguel, o terceiro da série "dívidas" que ele colecionava. Dois aluguéis atrasados mais um vencendo produziria um depejo, ou pé na bunda, como preferem chamar alguns. Lembrar disso tudo o fazia lembrar que precisava trabalhar. E isso o lembrava de que estava desempregado. Precisava de um emprego. Para ter um emprego precisaria de um jornal ou um amigo (com todos os amigos desempregado o melhor seria um jornal mesmo, concluiu mais tarde). Cansou-se só de pensar nisso tudo e culpou sua saúde lamentável por tudo. E para responder pelos ossos que não sustentavam mais a pele desbotada apontou para a cortina de plástico. Só podia ser ela! A culpa era do "legado"!
(procurava sempre causas e efeitos em tudo e, dessa vez, pareceu definitivamente encontrar a causa dos seus últimos empasses)
2 comentários:
É sempre assim. A gente procura alguém ou alguma coisa para pôr a culpa dos nossos problemas. É mais fácil que admitir que nós somos acomodados e que não corremos atrás daquilo que desejamos.
Obrigada pela visita. Apareça sempre!
Beijos.
Oi... Vim aqui registrar minha presença assídua.
Seria muito mais fácil se para tudo tivesse um culpado mas se não tem a gente inventa um e pronto...
Estive um pouco ausente mas é somente por muito trabalho... ta vendo a culpa é do trabalho agora...rs
Enfim mil bjos e saudades embora tenha te visto hoje.
Que coisa não?
:/
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